Jazz em Agosto 2017

Assim se vai cumprindo o desígnio de liberdade e evolução metafísica da música, quando esta implacavelmente nos subtrai à inquietação e ao fardo dos tempos, e nos impele à aventura da verdade criativa e da aleatoriedade do destino ontológico. Igor Stravinsky estaria por certo com a mente sintonizada no jazz (que há Continue reading

“Musical monsters”, de Don Cherry, John Tchicai, Irène Schweizer, Léon Francioli e Pierre Favre

Ao primeiro ou segundo segundo, evidencia-se diligentemente a excentricidade e a temeridade do gesto coletivo – sem equívocos ou dilemas, investindo na aventura, na energia, no delírio, na fantasia, na especulação, na abstração, na utopia, na poesia, na música soberana, na verve criativa do instinto, na inefabilidade anímica mais radical. Mais ou menos por esta Continue reading

“Worst summer ever” e “Those who throw objects at the crocodiles will be asked to retrieve them”, de Bruno Pernadas [entrevista]

As sementes jazzísticas cultivadas em “Worst summer ever” são amanhadas representações telúricas (e algo terra-a-terra…), rastejantes compromissos de um amadurecimento que poderá vir a desenvolver frondosas e frutuosas pernadas na árvore genealógica criativa deste promitente esteta. Mas é em “Those who throw objects at the crocodiles will be asked to retrieve them” que o vórtice de sentidos musicais instruídos em louváveis expressões da galáxia pop moderna realmente descola rumo a um Continue reading

“Day breaks”, de Norah Jones

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Um colossal corpo celeste de tão singela aparência – é assim a natureza de uma estrela. Um mistério que inversamente se aplica a Norah Jones, rútila estrela mor de uma galáxia artística de fachada jazzística, astronómica na sua projeção e prestígio mediático, e, no entanto, tão Continue reading

“Desire & freedom”, de Rodrigo Amado Motion Trio [entrevista]

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Sensivelmente tudo na confluente prática artística do saxofonista (e fotógrafo) português Rodrigo Amado tem inerente a si uma acurada preleção narrativa, assente num ideário de reflexão e de ação, do momento e do movimento, do dever e do devir, incontinente continuum ético e estético de exceção. Seguramente não por acaso, é esse “movimento” (perpétuo) que nomeia a sua mais arraigada irmandade criativa: o Motion Trio. Sucedendo aos quatro assombrosos registos por si publicados no último par de Continue reading

“Secular hymns”, de Madeleine Peyroux

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Mais do que em qualquer outro instante do seu viés fonográfico, podemos afiançar que “isto” não é exatamente “isso”; é sensivelmente outra coisa… Madeleine Peyroux sempre foi outra coisa. Outrem. Distinta. Uma identidade diversa. Uma mutante alteridade própria. Ou um impróprio ser e não ser alheio – que quando se apropria do cancioneiro norte americano é como ninguém. Rigorosamente desigual. Provam-no, com um paradoxal Continue reading

“The blue shroud”, de Barry Guy

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Por entre trincheiras e túneis morais de profusa verticalidade e intrepidez, o contrabaixista e compositor britânico Barry Guy vai sondando e esmiuçando os insuspeitos trilhos que encadeiam “Guernica” com a Cimeira das Lajes. Dito de outro modo, vai estudando a derradeira amplificação do Continue reading

“Semikujira”, de Arashi, e “Ana”, de Large Unit

De que matéria e predicados se faz, por estes tempos, um baterista de idiossincrática voz criativa, soberano protagonista na evolução hermenêutica do instrumento e do quadro musical em que se aplica, e que ouse abdicar de pueris rotinas malabares? Paal Nilssen-Love sabe-o como poucos. Paal Nilssen-Love sabe-o como os grandes. Paal Nilssen-Love sabe tudo. Paal Nilssen-Love tem todas as respostas. O prodigioso percussionista norueguês tem vindo, sensivelmente desde o dealbar deste século, a forjar uma Continue reading

Jazz em Agosto 2016

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Tem sido assim, de modo relativamente evidente, ao longo da última meia dúzia de anos: o Jazz em Agosto divide-se novamente, no roteiro que debuta amanhã, dia 4, entre o útil e o fútil, entre a credibilidade e a incredulidade, entre a excelência e a excedência. Há concertos imperdíveis, concertos razoáveis e concertos evitáveis. Mas o que realmente interessa é que existe. O que realmente interessa é que insiste. O que realmente interessa é que resiste. Não é fácil fazer melhor, sobretudo num campo sensorial intelectualmente tão exigente e labiríntico quanto este; contudo, não há como reprimir o Continue reading

“MM3”, de Metá Metá

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Rigorosamente tudo o que aqui se faz ressoar se patenteia como instintiva tensão telúrica, impressionista energia primitiva, iconoclasta profundidade ancestral – tudo como numa intangível fantasia ritualística e epifânica. Ou seja, rigorosamente nada aqui é Continue reading

“American tunes”, de Allen Toussaint

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Da realidade como o avesso da fatalidade: o tom é jubilar – como na idiossincrasia de um funeral de New Orleans, casa imaterial de Allen Toussaint -, o tom é de jubilar vida imaterial e eterna nestas “American tunes” que firmou dias antes da sua morte. Desapressado, como o mais lhano e íntegro cursar do tempo, rigorosamente adverso ao Continue reading

“Can’t stand the pressure”, de Karl Hector & The Malcouns, e “From the deep”, de The Heliocentrics

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Da identidade, alteridade e metafísica do jazz: se o jazz é o som da surpresa, se o jazz é a mutação genética da matéria musical por excelência, se o jazz é impuro por natureza, de que vale cada purista que lhe agrilhoa o universo? O jazz é aquilo que cada ouvido souber que o jazz é. O jazz está isto, o jazz é Continue reading

“We be all africans”, de Idris Ackamoor e The Pyramids

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Impremeditada e insuspeitamente, o saxofonista e compositor americano Idris Ackamoor converte-se num dos mais expressivos protagonistas da música de exceção deste ano. No primeiro de abril – parecia mentira, mas a sua clari/evidência sonora era assaz veraz… – cumpriu-se a chamada ao Continue reading

“Great spirit”, de William Parker e Raining On The Moon, e “William Parker – Stan’s hat flapping in the wind”, de Lisa Sokolov e Cooper-Moore

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Quanto vale uma canção no jazz não conformista do século XXI? Como se ergue uma voz narrativa num contexto desafiante e crescentemente abstrato? Que potencial de ação estética resta aos cantores para lá do american songbook e de umas quantas derivações mais ou menos marginais? Na sua sagaz discrição, William Parker tem sido um raro e paradigmático respigador nesta matéria, ensaiando responder a estas dúvidas (e, pelo caminho, formulando uma miríade de questões análogas), conjugando uma identidade deveras singular para o cancioneiro que ousou medrar em Continue reading

“Crowded solitudes”, de Eric Revis Trio

capa eric revis trio crowded solitudes

A experiência futurista, a premência vanguardista, o imperativo exploratório do desconhecido são, no jazz, matérias primevas, combustíveis seminais. Mais do que um indisfarçável enlevo por alguns dos mais inauditos recantos dos anais jazzísticos, há na música de Eric Revis um indisfarçável enlevo por alguns dos mais inauditos recantos dos anais da Continue reading

“Perpetual gateways”, de Ed Motta

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Jazz é narrativa e epifania ontológica. A sua gesta é feita de idílios, especulações e contaminações entre o intangível da música popular e da erudição, entre o singular drama cósmico de uma canção e a plural poesia especulativa da metafísica instrumental – mais todo o Continue reading

“Blue as an orange”, de Pierre Bastien

capa pierre bastien blue as an orange

Prodigioso dom, este de ser concomitantemente agreste e idílico, desassossegado e enlevado, labiríntico e naïf, abstrato e minudente, opimo e espartano, hodierno e melancólico, inusitado e lúdico, mecânico e humanista. Induzido pelo Continue reading

“Poesia”, de Joyce Moreno e Kenny Werner

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Versando sobre o então vindouro “Slow music” (o seu mesurado disco de 2009 que viria a ser o último com assinatura limitada ao seu nome próprio), Joyce Moreno legou ao seu letrado blogue, Outras Bossas, em maio desse ano, a Continue reading

“(Dance to) The early music”, de Nate Wooley Quintet

capa nate wooley quintet dance to the early music

A música primeva de cada melómano implica invariavelmente umas quantas circunstâncias atenuantes. Há cerca de três décadas, numa ignota cidade do oeste americano, um adolescente permitiu-se emburricar pelo bem intencionado esforço composicional de Wynton Marsalis; em 2015, um esteta crucial do mapa contemporâneo do jazz de ousadia e evolução assumiu esse Continue reading

“Christ everlasting”, de Charles Gayle Trio

capa charles gayle trio christ everlasting

Tal como essoutro todo-poderoso-saxofonista Charles (Lloyd), este todo-poderoso-saxofonista Charles (Gayle) é um homem de fé, esperança e caridade, devotando os rituais de consagração professados pela sua música ao desígnio da revelação eclesiástica como via para a Continue reading